A triste sina do futebol feminino
Situação da modalidade só não é tão cruel quanto a morte da ex-jogadora Jô e ainda existe no mapa esportivo por causa da dedicação de poucos abnegados
Ana Paula Santos e Diego Trajano
esportes.pe@dabr.com.br
Na disputa do Campeonato Pernambucano de futebol feminino de 1999, a atacante Josenir Martins da Silva ganhou fama nacional ao fazer um gol de bumbum na decisão do Estadual. Jô vestia a camisa do Sport e a decisão foi contra o rival Santa Cruz. Depois deste episódio pitoresco, ela prosseguiu com a carreira longe dos holofotes até ser praticamente obrigada a pendurar as chuteiras por falta apoio. No último dia 27, a relação de Jô com a bola - ela ainda batia umas peladinhas no Alto do Buriti, no bairro da Macaxeira - foi encerrada. E de forma brutal. A ex-jogadora do Leão, de 28 anos, voltou a ser notícia por ter sido assassinada na frente de casa.
Foto: Fellipe Castro/Esp. Aqui PE/D.A Press
A originalidade na hora de balançar a rede garantiu o título estadual para o Sport e trouxe sucesso imediato para Jô. O feito só não foi capaz de alavancar sua carreira. Logo, precisou trabalhar para se manter (era proprietária de uma pequena loja de jogos eletrônicos no bairro onde morava). Afinal, a modalidade que escolhera não era rentável. Ou melhor, até hoje não é. Em Pernambuco, por exemplo, o futebol feminino agoniza e sobrevive com recursos escassos. Só não foi riscado do mapa porque alguns abnegados se mostram solidários ao esforço das meninas e contribuem com o que podem. Vender rifas e pedir contribuição em dias de jogos dos masculino é rotina para elas.
E o panorama foi muito pior. Contemporrâneas de Jô na equipe rubro-negra, as ex-atletas Nira, 46 anos, e Mana, 50, relembram que a realidade era bem mais complicada na década de 90. "A gente tinha apenas um padrão, que tinha de durar até três anos. De preto ele virava cinza de t anto que a gente usava e lavava. Na época, não podíamos nem usar o nome do Sport. Nosso time era o Coração de Leão. Hoje é normal meninas de 13, 14 anos jogarem futebol, no nosso tempo não. O preconceito era enorme", diz Nira.
Mana e Nira são daquelas que persistem em nome do esporte. Não conseguiram se disvencilhar. Nira é diretora do futebol feminino do Sport e responsávelpelo setor de tênis. Mana conseguiu se formar em educação física e assumiu a preparação física das equipes feminina de futebol de campo e futsal do clube rubro-negro. "Se não eu for atrás das coisas, tenho certeza que o departamento de futebol feminino fecha as portas. Estou nessa até hoje porque ainda me emociono e gosto do que faço", acrescenta Nira.
Muitas das atletas que jogaram ao lado de Nira, Jô e Mana abandonaram, parcialmente, o barco. Estão longe da rotina do clube, mas tiram seu sustento através do futebol. É o caso de Brandinha, proprietária de uma escolinha em São Lourenço da Mata (ESCOLINHA DA VERA) e coordenadora do Projeto Segundo Tempo, que funciona no campo do 6º Batalhão da Polícia Militar, localizado no município de Prazeres. "Na minha monografia de conclusão do mestrado, trato exatamente da realidade do futebol feminino no estado", comentou Brandinha.
A geração pós-Jô não foi muito longe. Quem decidiu permanecer jogando está vestindo a camisa do Sport ou do Vitória, time recém-formado que tem em seu elenco atletas que pertenciam ao Clube Náutico Capibaribe. A exceção é a goleira Bárbara Micheline do Monte Barbosa, de 22 anos. Além de estar atuando no time Sunnana SK, da Suécia, a arqueira vestiu a camisa 1 da Seleção Brasileira. Conquistou a medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos do Rio, em 2007, e a segunda colocação na Copa do Mundo. No ano seguinte, garantiu a prata na Olimpíada de Pequim.
Quando o arrependimento aparece
Uma séria lesão no joelho direito foi responsável pelo afastamento da zagueira rubro-negra Patrícia Gleice. Por sete anos atuou na zaga do Sport. Arrepende-se, em parte, de ter dedicado tanto tempo ao futebol. "Na época da cirurgia não tive apoio do clube. Até hoje sei que Nira tira do bolso dela para manter a equipe em atividade, além de usar a própria casa como pousada", contou Patrícia, que na imagens de TV aparece comemorando o gol de bumbum de Jô.
Hoje com 32 anos, a ex-atleta revela que é sustentada por um casal de amigos, que lhe deu abrigo há dois anos. O futebol lhe roubava todo tempo e por isso não conseguiu concluir a 5ª série do ensino fundamental. Em tom de revolta, Patrícia manda um recado para quem está pensando em praticar a modalidade: "Primeiro tem que saber que ninguém se interessa pelo futebol feminino. Apesar de pregarem igualdade entre os sexos, ainda exi ste o preconceito. Ainda acham que lugar de mulher é pilotando fogão. Futebol é bom, mas não é para a vida toda. Não dá para ficar pensando só nele. Tem que estudar, principalmente", alertou Patrícia, que está se qualificando para conseguir um emprego.
Patrícia cita Jô como um exemplo a ser seguido. "Infelizmente, voltamos a nos encontrar no enterro dela. Jô foi uma pessoa que sempre ajudou a mãe. Era muito batalhadora", completou.
A meia Érica, fruto mais recente da geração do futebol feminino no estado, foi vice-campeã da Copa do Brasil com o Sport, em 2008, mas este ano não pôde conciliar a atividade profissional com os campeonatos que a equipe disputa. "Quando ela trabalhava fazendo reparos em barcos, ainda dava para negociar com o dono. Só que agora ela participou de um curso de capacitação e precisa estar presente todos os dias no trabalho. Não tem flexibilidade e nem dá para negociar. Como ela tem a responsabilidade de aj udar a família e não temos condições de pagar salário, foi melhor para ela ficar sem jogar", revelou Nira.
O descaso de Náutico e Santa Cruz
Se você duvidar e quiser comprovar o que diz o texto abaixo, basta ligar para as sedes do Náutico e Santa Cruz. A realidade desses dois tradicionais clubes de Pernambuco é de envergonhar seus torcedores. Afinal, não há nenhuma informação concreta sobre como será o futuro das atividades do futebol feminino nas instituições.
O departamento alvirrubro foi desativado no início deste ano. Praticamente todas as atletas que atuavam pelo Timbu cansaram da falta de apoio por parte da diretoria e se transferiram para o Vitória de Santo Antão. A escasssez de jogadoras e o pouco incentivo foi tanto que o Náutico não participou do Campeonato Pernambucano deste ano.
O caso do Santa Cruz é ainda pior. Na gestão do presidente Fernando Bezerra Coelho, o futebol feminino foi simplesmente desestruturado, esquecido e inexistente. Já são dois anos que não vemos as meninas do Tricolor e m ação. E mais: até agora nenhum candidato à presidência falou sobre a intenção de reativar esse setor.
Vitória faz promessas de investimentos
Não podemos dizer que o time de futebol femino do Vitória fez sucesso por acaso. Também não devemos afirmar que foi algo planejado. O fato se deu numa mistura desses dois elementos. Vejamos. No ano passado, foi realizado um jogo entre a Facol (Faculdade Osman Lins) e a Seleção Pernambucana. A equipe universitária venceu. Além do resultado, o desempenho das meninas motivou o presidente do Vitória de Santo Antão, Paulo Roberto, a investir no futebol feminino do Tricolor das Tabocas. Quase um ano depois desse pontapé, o Vitória colhe os frutos: foi campeão Pernambucano e chegou às semifinais da Copa do Brasil. Um feito para poucos.
De acordo com Paulo Roberto, há outros fatores relevantes para explicar o sucesso do futebol feminino do clube que preside. "Houve um problema no futebol feminino do Náutico. Então, aproveitamos muitas garotas da equipe alvirrubra. Montamos praticamente u ma base com elas para o Pernambucano. Depois do fim do Estadual, reforçamos o nosso time para a Copa do Brasil com algumas meninas do Sport. Ainda contratamos jogadoras de outros estados. Pensamos de modo profissional, visamos o futuro. É assim que precisa ser. O futebol femino é amador, mas precisamos encarar de forma profissional. Tentamos trazer até Maycon da Seleção Brasileira", revelou Paulo Roberto.
"Na Copa do Brasil fizemos uma grande campanha. Chegamos até onde o Santos (que possui jogadoras da Seleção, como Marta e Cristiane) chegou. Nos faltou apenas um pouco de condicionamento físico. Isso mostra a qualidade das atletas de Pernambuco. É um nível excelente que não é bem aproveitado. Isso não é só minha opinião. Lá fora todos falam isso. Temos um potencial gigante. Precisamos apenas dar condições e investir. Os clubes precisam dar apoio, transporte, alimentação# As meninas também precisam apostar nas suas carreiras. Algumas ainda levam a coisa com pouca seriedade, sem acreditar no que aquilo pode resultar num futuro próximo para elas mesmas. É um desperdício de talento", analisa o presidente.
Paulo Roberto ainda fala da dificuldade em manter o futebol feminino. "No meu caso foi um pouco menos complicado porque também sou diretor da Facol, então fiz questão de patrocinar o Vitória. Por enquanto, não posso pensar no que vou ganhar de retorno financeiro com esse investimento. Se todo clube for pensar assim, não dá. O futebol feminino ainda é visto como amador, mas precisamos trabalhar de modo profissional para colher algo no futuro. Pretendo fazer convênios com clubes de outros estados e países. O Vitória vai reforçar o time para o próximo ano. O futebol feminino aqui no clube não é mais de momento, virou uma realidade", concluiu.
Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/10/10/indice.asp
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